Poema de Natal Reflorestamento do Millôr Fernandes
No Rio a gente sensata
Lutou por uma figueira
Mas não vi um democrata
Sair de sua banheira
Pra ver a causa mortal
Da árvore de Natal.
Dava bolas, não se lembram?
Dava velas multicores
Que iluminavam, na sala,
Uma breve noite sem dores.
Ainda existem, mas poucas;
Foram sendo destruídas
Pelo atrito entre as vidas
Foram sendo desprezadas
Pelas relações iradas.
E além disso, que má fé,
Eram banhadas apenas
Com lágrimas de jacaré.
Embora, entrando pelo tubo,
O povo, a todo momento,
Não lhe poupasse adubo;
Bosta de ressentimento.
Mas será que interessa
Em nome de uns inocentes
Crescer árvores inventadas
Pela imaginação das gentes
Sem utilidade prática
Frutificando presentes
(Que brotavam das raízes)
Só pra pessoas felizes?
Nunca vi martelo ou pua
Ou uma colher de pedreiro
Frutificar nessa árvore
Fosfatada com dinheiro.
Era uma coisa maldita
Pois a praga da aflição
Crescia mais do que ela
E sem darmos atenção
Foram-se acabando as mudas
Não houve renovação
E cercada de fome e medo
Morreu toda a plantação.
Pode ser, eu não sei não,
Pois há ainda outra versão;
Ante a violência urbana
A árvore ficou tristonha
E como não era humana
Morreu mesmo é de vergonha.
Contudo, sou da esperança,
Do "quem espera sempre alcança"
E por isso deixo aqui
Meu voto de confiança
O meu apelo final
À árvore de Natal:
Mais popular, mais comum,
Quero ver-te renascer
Para que, em oitenta e um, (ou será em 2009?)
Possam os pobres te comer.
domingo, 14 de dezembro de 2008
Poema do Reflorestamento de Natal
Este poema de Natal é um dos melhores do nosso estimado Millôr Fernandes. Foi escrito em 1980, mas a realidade descrita é imutável ao longo do tempo, pode ser lido neste Natal de 2008, (Annus Horribilis), sem perder a sua essência. O Millôr Fernandes é um grande nome da Cultura Brasileira que consegue me surpreender desde 1968 quando começei a ser seu leitor. Millôr tinha uma página dupla no centro da revista semanal Veja que trazia seus poemas, desenhos, metáforas humorísticas e outros que táis, sempre uma surpresa, (que se escreve com "esse") embora a beleza (que se escreva com "z"), deste poema é sem igual. Um poema Sui Generis de um Natal sem igual. Coisas da língua portuguesa e da cultura brasileira, que nestes 51 Natais, ainda tento aprender...
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