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sexta-feira, 3 de abril de 2009

Ensaio sobre as Baratas

"Não é a mais forte das espécies que sobrevivem.
Nem mesmo as mais inteligentes.
Mas sim as mais susceptíveis a mudanças."
- Charles Darwin -



O mundo pertence às baratas. Ora direis ouvires as estrelas, já dizia o poeta Olavo Bilac no belo poema "Via Láctea", mas o incauto leitor saberia ouvir o clamor das baratas? E se as baratas enviarem um recado para os frangos e estes para as raposas? Bem antes da Internet, sempre existiu uma cadeia de comunicação global, sem dúvidas, as espécies se comunicam, de forma bastante sutil.
Muitas vezes observei lá em Minas Gerais, um pequeno corvo retirando carrapatos das costas de um búfalo, que impossibilitado de arrancá-los, solicita um apoio especial às aves... Diz a lenda que Tales de Mileto (circa 624 a.C. - c. 546 a.C.), o primeiro dos filósofos, tanto contemplava as estrelas que certa vez caiu dentro de um poço. A anedota é, desde a antigüidade, usada para ilustrar as contradições entre a filosofia e a vida prática. Na mesma direção aponta o saboroso e de gosto duvidoso adágio italiano que diz ser a filosofia "la scienza con la quale o senza la quale il mondo rimane tale e quale" (a ciência com a qual ou sem a qual o mundo permanece tal e qual).
Mas é prudente não perder o microcosmo de vista, mesmo quando embevecidos com as estrelas do macrocosmo, já sondamos até o subsolo de Marte. Pois é, analisemos a citação de Charles Darvin no mundo das Baratas. E, você que está lendo estas sinuosas linhas, se acha um ser superior às Baratas? A resposta imediata é claro que sim, não é mesmo? Agora inverteremos a pergunta... Nunca uma Barata disse-lhe que o considera superior a ela, mesmo tendo um metro e oitenta de altura e o peso perigosamente próximo dos três digitos.
Ela lhe dará um baile se desejar dar-lhe uma chinelada, ela possui antenas com sensores muito sensíveis às vibrações mecânicas advindas do ar, suas sensíveis antenas captam a mais sutil e inaudível onda sonora. Mas você poderia me dizer que ela não conhece a Equação de Schrödinger, ela nada sabe da Constante de Planck e da Lei de Hooke, diga-me, quem lhe garante isso tudo? Isso tudo é uma questão de apliacação, de conhecimentos e inteligências aplicadas, ora pois. E se ela, a Barata, souber dessas Leis através de outros mecanismos de aprendizado, lembre-se que as Trilobitas, uma graúda Barata d' água, antiqüíssima ancestral das modernas baratas, são muito anteriores ao homem, as ancestrais das Baratas já habitavam a Terra bem antes do homem. Imagine se uma hipotética Trilobita subisse as águas cariocas e entrasse no último baile da Ilha Fiscal, sem ser convidada ? Seria um chari vari daqueles. Mas o caro ou barato leitor, somente poderá ser considerado um ser superior à uma barata quando houver consenso entre ambas as partes sobre este assunto, caso contrário ela leva vantagem em muitos aspectos sobre você, não que o esteja subestimando é claro que não, mas numa eventual luta pela sobrevivência, se você ficar preso uma semana nos esgotos de Paris, junto com uma Barata, quem se sairá melhor desta prova? A barata, é claro.

Ou ainda, num eventual ataque nuclear, você ficaria exposto à uma dose letal de radiações ionizantes oriundas do Plutônio de uma bomba atômica? Quem se sairá melhor ? Heim ? A Barata apareceu na Terra há um bilhão de anos atrás enquanto que os ancestrais do homem se separaram dos macacos há apenas 18 milhões de anos atrás. A barata é um ser tão adaptado ao meio ambiente que assistiu o nascimento do primeiro hominídeo, roeu o seu ressequido cordão umbilical, assistiu e colaborou com a extinção do lixo das torres, as sobras do ataque no World Trade Center em Nova York e vai assistir muitas coisas mais e tais.
Um inseto muito resistente, extremamente esperto, muito perspicaz, uma extraordinária capacidade de enfrentar adversidades, uma velocidade espantosa, seus neurônios gelatinosos e asquerosos, gravam informações precisas no seu diminuto cérebro: - Corra que o homem vem aí ! Perigo ! Uma chinelada fatal, uma dose letal de piretrina ou de outros venenos, corra, rápido senão eles vão acabar com sua vida e de todos os seus descendentes. Portanto corra...
Ah...Ah...Ah... É claro que com uma boa dose de Baygon, Mafú, ou Matox você poderá matar uma centena delas, e ela jamais jogará e vencerá uma partida de xadrez com você, ilustrado leitor. Mas nós estamos falando de sobrevivência e adaptação ao meio ambiente, segundo a Teoria de Darwin a barata herdará o reino da Terra. O homem perde para a Barata e perde para o vírus da gripe do frango também. Perde ou não perde? Diga-me leitor, a barata pensa ou não pensa? Não pensa? Mas como me explica a sua extraordinária esperteza? Como me explica a sua incrível adaptação ao nosso 'meio ambiente' ? Se assim for, é porque alguma forma de pensamento rola naquela mente. Se há pensamento existe uma Filosofia, é uma filosofia barata, ou toda a filosofia deverá ser cara? (M.F.*)
- Então ela pensa! Faça uma experiência, coloque um casal de baratas, em um quarto herméticamente fechado, sem água e sem comida, elas com certeza se reproduzirão de forma frenética, sempiterna e sem igual, pois o seu amor é um barato total, é chama que se nutre das próprias fagulhas. Entendeu ?

As baratas desafiam as leis da termodinâmica, se alimentam do seu próprio excremento, um moto contínuo semovente quase perfeito, mas as baratas vão em frente na sua longa e inexorável luta pela sobrevivência na Terra. Uma caspa, um fio de cabelo, um miligrama de pó, um mililitro de oxigênio tudo é alimento para a modesta barata. Que coisa fantástica, por isso, muito possivelmente as baratas também pensam, ou seguramente se comunicam. E, se comunicam muito bem, com a aproximação de uma névoa de Baygon, uma avisa a outra e desaparecem debaixo da geladeira de forma inexpugnável, é assombrosa sua capacidade de se esconder do perigo. Jamais você alcançará uma barata com uma modesta sandália havaianas.
É preciso mais, é preciso apelar para a química, uma dose de piretrina ou um outro veneno qualquer. A comunicação básica entre baratas e seres humanos, parte do principio milenar de que ela, a barata, sabe que você tem nojo e desprezo por ela, e tentará aniquilar todas que forem possíveis, usando todos os recursos físicos e químicos para lhe tirar sua modesta proposta de vida de "crescer e se multiplicar".
Portanto elas sabem que, quando você aparece, o perigo é eminente, é para correr, correr e se esconder de forma mais oculta possível, é uma forma de comunicação, você é o agressor, ela a fraca, indefesa e oprimida barata, perseguida durante milênios, tentando desesperadamente sobreviver de morte esmagada ou envenenada. Assim, bem básica, é a comunicação entre humanos e as baratas. Com os gatos e cachorros, a comunicação é bem diferente, bem mais evoluída e esta evolução da comunicação ao longo da complexidade da cadeia evolutiva será o tema que o perplexo leitor irá se deparar nos próximos ensaios, prepare-se para o mundo das formigas... cães, etc !
Veja bem... Nós, os homens, criaturas que habitam e dominam a Terra, devemos ser para elas, as baratas, tão somente indiferentes e miseráveis quanto elas são para nós, é o princípio básico da reciprocidade nas relações de comunicação, são os fundamentos da "Sociologia".

Já a parte intelectualizada da humanidade admite que a vida é uma incessante luta pela sobrevivência, pela existência, e parece que também seja a crença da Filosofia existentes nas baratas. Estas, guardadas as devidas proporções, tem maior capacidade de se entender com os virus, protozoários e com as bactérias de diversas classes, ordem e tipos... Por uma razão muito simples, é uma questão de escala, uma barata carrega centenas de microorganismos patogênicos sem sofrer as maledicências e pestilências destes, não existe registro de uma barata gripada, mas frangos gripados e homens sim... Acho que o Charles Darwin tinha razão.

* Millôr Fernandes

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